terça-feira, 9 de abril de 2013

Bia

A compressa de camomila geladinha vai fechando os poros enquanto emagrece o olhar semi-morto - consciência que uma noite mal dormida revela sobre a idade. Com a visão e os cabelos desembaraçados do sono, agora sim, o dia começa.

Exceto pelo par de pantufas, Bia só abandona o quarto quando o espelho não deixa dúvida: impecável. Ela mesma acha graça no fato de parecer um personagem por usar sempre a combinação de camisa recatada, saia florida e maquiagem minuciosamente feita para não parecer maquiagem.

"Uma daquelas mulheres de comercial de margarina patriarcal", brinca fazendo beicinho. Apesar de independente (e de nem gostar de margarina), lhe agradaria um homem desse tipo "provedor", ficar em casa entretendo-se com as tarefas, com o mercado e as violetas teimosas à janela. _ Ainda troco por plástico!, aborrece-se.

Família, apenas mais um de seus sonhos imprecisos... Desde os 14 cuidando do lar e da mãe enferma, nunca tivera muito espaço para si. Na sala do minúsculo apartamento a vela que nessa semana do ano deixa religiosamente acesa arde perigosa ao lado do retrato de Dª Miriam - de quem herdou sua mania de limpeza, lembra olhando rancorosa para uma mancha no chão.

O tico de leite transborda na chaleira, única lembrança do velho, e a indecisão sobre chegar atrasada no trabalho ou limpar logo a torturará até inevitavelmente correr pro ponto de ônibus mascando umas bolachas amanhecidas. O único conforto é a sensação de adeus vinda com a sucessão de paisagens à janela - a janela que a salvará da ausência de verde de seu bairro e das caras aborrecidas no veículo. Descruza e recruza as pernas.


_ As mesmas caras..., pensa alto e logo recriminada por algum franzir de testa. A carapuça em verdade é para os infinitos clientes cuja voz abafada a sufocam diariamente no atendimento telefônico. Talvez fossem mais simpáticos se vissem como é bonita... Mas são todos iguais, assim como a voz de atendente de telemarketing...

Espia, com o mesmo olhar fúnebre de quando acordou, o nome "Fábio" no crachá. "Gente bonita é melhor tratada", resmungava repetindo para si que aquilo era temporário, como tudo.

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