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sábado, 1 de fevereiro de 2014

A novela "do Félix", do beijo ao fim

Félix (Mateus Solano), da novela "Amor à Vida"

Ainda que você não assista a novelas e tampouco tenha paciência pra programas dominicais da TV aberta, provavelmente conhece Félix, o personagem vivido por Mateus Solano em "Amor à Vida", cujo carisma fisgou o público e largou o restante da trama na penumbra.

Após a eterna Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) e a infame Carminha (Adriana Esteves), não lembro ter visto um vilão (redimido, mas vilão) tão querido, odiado e comentado. Com suas tiradas rendendo memes e alimentando fanpages nas redes sociais Internet afora, entrou para o rol de vilões consagrados pela audiência e carinho dos telespectadores - regozijos com o humor negro.

"Onde foi que ganhei essa fama de coração de ouro? Ou será que estou em Israel e fui confundido com o Muro das Lamentações?"

Tudo em razão do personagem ser gay? Obviamente, não é caso de se questionar o talento do ator; é mérito dele o espaço no texto de Walcyr Carrasco, não menos responsável pelo sucesso. Mas também não dá pra negar que é um tempero bastante forte, "picante" (risos).

Algumas cenas bem tensas de rejeição familiar, conflito interno e outros embates característicos de um indivíduo gay trouxeram certo ineditismo ao pastelão das 21h, pela abordagem mais humanizada e menos assexuada, com direito a formar par romântico com o carneirinho/anjinho Niko (Thiago Fragoso) - tão fofo...

Bem, já que estamos na chuva... Um beijo molhadinho cairia bem, cobrava a plateia.

Tal sucesso, entretanto, não afastava meu ceticismo quanto a um beijo entre dois homens acontecer em horário nobre da TV Globo... Haja vista o fiasco em "América" (2005), novela em que até os comerciais eram insossos.

E não é que aconteceu?! Aos 45 do segundo tempo, no último capítulo da "novela do Félix" exibido ontem em horário nobre! (31/01/2014: Aqui jaz mais uma das pregas do Tabu e o mundo não acabou). Veja aqui.

Beijo de Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso), na novela "Amor à Vida"
O início é beijo, posto que o beijar começa implícito. É beijo: do beijo ao fim

Sílvio Santos, atrevido que é, do alto de seus 80 e lá vai pedrada (!!!), deve estar esnobando:
_ Grande coisa... Já fiz. (O primeiro beijo gay de uma novela brasileira foi ao ar no SBT, em 2011, na novela "Amor e Revolução", entre mulheres – dizem as más línguas que a cena ficou artificial e forçada).

(Pra quem não assiste a novelas, estou muito informadinho, não? haha)

Achei maravilhoso! Esse papo de que "a sociedade não está preparada" nunca me convenceu. Além de a expressão em si já ser de causar vergonha alheia, é temerário necessitar "autorização" para algo tão humano. Exemplo: Casais inter-raciais deveriam ter ficado esperando "a sociedade estar preparada" pra se amar? Estaríamos até hoje na Apartheid.

Não estão preparados pra um simples gesto de afeto? Claro, pois bom mesmo é violência, morte, traição, sangue, corrupção, drogas, etc., etc., etc... O próprio Félix não foi o melhor dos seres humanos... Será que o beijo seria o pior crime? Oo
(Isso apenas pra citar a corrupção social costumeira. Não estou entre os adeptos da ideia de que a ficção deva ser "higienizada", eufemismada e empobrecida de elementos; necessita ser livre pra ser boa ou ruim em qualquer medida).

"Não repare a bagunça", diria a dona de casa cínica, depois de passar horas se matando na faxina pra receber a visita.

Foi importante, tanto para aproximação do público em geral (onde predomina uma visão distorcida) quanto para parcela do público LGBT que destila preconceito autodirigido. Por que? Porque fora exposta ali outra realidade, contra a qual muitas facetas há recusa em enxergar:

Amor à vida (depois do beijo gay)

Um final de novela honesto. Honesto com a realidade contemporânea: as pessoas se amam, se respeitam, formam novos arranjos familiares. (...)

E é nesse ponto que Walcir Carrasco foi ímpar. Félix não só se redimiu, mas ficou com o fardo (desculpem o termo) do pai. Félix "adotou" aquele que lhe incutiu o preconceito mais doloroso: o de não ser aceito pela própria família.

César, que foi cruel, egoísta, machão comedor e o maior trouxa da história das telenovelas poderia ser cuidado por uma equipe de enfermeiros, poderia ter sido despejado num asilo chiquérrimo e caríssimo (porque a família tinha condições), mas Félix não abandonou seu pai.

Essa é uma realidade muito comuns entre os gays. Nem todos podem morar numa casa de praia com um marido lindo e dócil como o Nico, mas a maioria herda os pais para receber os cuidados do fim da vida. Sim, os irmãos se casam, mudam-se, o tempo passa, as visitas aos pais diminuem e quem fica para cuidar deles? O filho gay.

Obrigado à toda produção de Amor à vida por mostrarem um gay que não é baladeiro, que não é promíscuo, que teve seus tropeços, como gays e héteros têm, mas que percebeu na família (a família de que veio e a família que formou com seu marido) o grande valor verdadeiro. Por César Lucas Vendrame

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O diálogo das andorinhas

Comentava com uma amiga o quanto me fez falta alguém com mais experiência pra dar “uma luz” enquanto ia descobrindo meio incerto o que fazer sobre o fato de ser algo "diferente" dos demais garotos em minha infância/aborrescência. Mais complicado ainda quando se cresce numa cidade minúscula de interior, com família tradicional – em tempos em que a internet era um vulto. Não tinha com quem falar e os medos e a ansiedade, entre várias outras coisas, não deixam a gente pensar direito. Amigos, família, outros grupos sociais: as conquistas vieram aos poucos, mas poderia ter sido uma trajetória mais suave. Por isso, sem arrogância, frequentemente me disponho a ser esse alguém que não tive.

Acho que todos que já superaram essa fase não podem se omitir a prestar solidariedade, apoio, compartilhar, sobretudo com quem ainda não se resolveu, pois: de que adianta discutir dignidade, respeito e direitos se muitos enxergam seus pares como “indignos” (rejeitando inconscientemente a própria identidade)?

Fácil certificar que não há exagero nesta abordagem. Basta perguntar por aí: "O que você acha do 'mundo gay?'", e calcular estatísticas. Pelas minhas contas pessoais...

Ainda é muito forte a internalização da visão negativa que a sociedade tem, assim como o machismo: são incontáveis os que estão angustiados com sua inadequação a um papel heteronormativo e misógino que desloca até mesmo heterossexuais.

A promiscuidade e a subversão então são assimiladas e apontadas com repulsa como sendo O padrão de comportamento/personalidade (sempre do próximo), chegando-se ao absurdo da culpabilização das vítimas – de maneira semelhante ao que ocorre com mulheres violadas covardemente em estupro: “não (se) respeitaram”, “deram motivo” (!).

Sendo assim, o diálogo não pode restringir-se exclusivamente a demandas políticas de mudança (Legislação, Políticas Públicas); tampouco é razoável dirigir-se apenas ao coletivo geral e sem rostos esperando que a consciência e então o respeito social sejam a norma, pois se trata de paradigma/tabu que ainda demorará a ser movido para o arquivo de coisas vergonhosas da história.

(Não é à toa que qualquer Política Pública com iniciativa de combate ao preconceito via Sistema Educacional seja ferozmente combatida. Aceleraria radicalmente o processo.)

A relevância e mesmo urgência desse diálogo politizado são inquestionáveis; os avanços são inquestionáveis. Como seria se não houvesse essas pessoas que se doam mesmo sendo ofendidas, perseguidas, ameaçadas? São as andorinhas que fazem a diferença.
Andorinhas

Porém está faltando um elemento essencial na comunicação feita por aqueles corajosos que são atuantes, pelos grupos mais organizados; falta um diálogo interno apaziguador, uma conversa sem floreios, franca, próxima e íntima com estas pessoas para mostrar o ser humano que existe sob a capa de fantasma com que nos cobrem. É algo que, salvo iniciativas dispersas, não vejo sendo feito em uníssono senão por grupos religiosos, conservadores, com intenções bem conhecidas: perpetuar o ódio.

A presença de personalidades formadoras de opinião (como artistas e atletas) declaradas abertamente LGBT na mídia de certo modo serve ao papel de desconstrução dessa autoimagem negativa, por ilustrar realidade distinta do submundo. Mas ainda não preenche a lacuna, até por serem realidades um pouco distantes do cotidiano comum... (E as que não são LGBT, apesar da importância social, não trazem o discurso a que me refiro).

Pra completar, há um debate quase obsessivo acerca da sexualidade ser ou não uma escolha/opção pessoal... Parece não haver a percepção de que dizer a quem está acuado que “ei, você nasceu assim” não dissolve os estereótipos per si, não muda a concepção do que a vida reserva.

É o que promoverá diminuição do preconceito interno e um maior engajamento: difundir uma visão mais realista -e portanto mais humana- de uma sexualidade tão marginalizada por supostos "crimes" e "pecados" e, assim, fazer perceber que há um outro mundo possível e desejável.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Os privilégios que os LGBTs querem

A ideia de que os LGBTs (eu incluso) queiram "mais" direitos em detrimento do restante dos cidadãos visa, rasteiramente, segregá-los ainda mais e colocá-los na posição de: Sociedade x "Eles".

É alimentada por falácias, da série “bobagens a repetir até colar”, que tentam confundir os conceitos de privilégio e de proteção a direitos que são diariamente cerceados pela intolerância.

Não se trata de "mais" e sim dos mesmos direitos, algo que não está garantido apesar dos mesmos deveres. Direito à dignidade, ao simples direito de ir e vir, à Segurança, à Educação (tendo em vista a evasão por causa do bullying), vários outros direitos civis e etcéteras. Isso é privilégio?
facepalm implícita - quando algo é tão, mas tão estúpido que o gesto nem é necessário...

Não, não tem fundamento algum falar em privilégio. Essa afirmação é de uma boçalidade tão gritante quanto dizer o mesmo de outras leis de proteção social, tais como:
  • A Lei Maria da Penha nasceu para proteger adequadamente as mulheres do machismo que as oprime com violência (moral, física e psicológica). A delegacia da mulher foi um outro avanço, para (em tese) tratá-las de maneira digna em momentos devastadores como o estupro e ampará-las quanto às surras do macho "exemplar" que as destrói em casa, pra citar 2 exemplos. Será que Delegacia da Mulher, assim como Hospital da Mulher, não deveria existir também por ser um "privilégio" que os homens não têm?...
  • O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deveria ser revogado? Não pago pra ver se, entre outros, mortalidade infantil, gravides na adolescência, exploração do trabalho levam a nação muito adiante...
  • O Estatuto do Idoso também? Que a negligência, descaso, falta de educação e consideração reinem sem ele?
  • A Lei contra o Racismo, complementando a Constituição Federal pune a discriminação por raça, cor, etnia (qualquer que seja), bem como religião (!) ou procedência nacional; nasceu para que não se mantivesse as pessoas (principalmente afrodescendentes) à margem da impunidade contra as agressões à sua dignidade (alguma semelhança?)
  • O Estatuto do Índio (e Constituição, inclusive) os protege, pois doutra forma provavelmente estariam mais perto da extinção. Pra que índios, né?

Será que todos esses grupos são "privilegiados" e estão postos "acima" da sociedade ou estão protegidos das distorções provenientes dela? Essa proteção se dá sob o princípio constitucional da igualdade, que significa "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades". Ou seja, tal tratamento visa ao equilíbrio, a dar condições para que os mesmos direitos e deveres sejam satisfeitos.

Neste sentido, o PLC122, ora mandado à UTI pelo Legislativo, propõe tornar crime o ato de quem for "praticar, induzir ou incitar a discriminação", do que resulte a "ação violenta, constrangedora, intimidatória e vexatória, seja ela de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica". Isto não apenas envolvendo LGBTs, pois altera a mesma lei anti-racismo já citada e amplia o grupo: "crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência".

Chamam a isto "mordaça gay". Sério? Vamos reler esse trecho:
de que resulte a "ação violenta, constrangedora, intimidatória e vexatória, seja ela de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica"
Liberdade de expressão não vem sem responsabilidade/consequências, nem é desculpa para ter Liberdade de Opressão, garantida pela Impunidade.

Laerte sobre preconceito contra gays

Alguns argumentarão, seguindo a linha de J.R. Guzzo (autor do famigerado "Parada Gay, Cabra e Espinafre", publicado pela Revista Veja), que não tem sentido um projeto assim, visto que a violência atingiria a toda a sociedade igualmente, sendo os homossexuais uma parcela ínfima das estatísticas: "entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no Brasil. Mas, num país onde se cometem 50 000 homicídios por ano, parece claro que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos". Só faltou concluir com aquele bordão de que "há coisas mais importantes..." (Diga isso a quem não pode andar tranquilo na rua, à família e amigos de quem teve a vida ceifada covardemente; diga isso ao cidadão que pensa diariamente em tirar a própria vida por causa da pressão social que o cerca; vá lá e diga que "há coisas mais importantes")

Entretanto... Uma coisa é a criminalidade de que a sociedade toda é refém: roubos, tráfico, homicídios em geral, trânsito, corrupção, etc. Outra coisa é o Crime de Ódio, a que nem todos estão sujeitos. Garanto que esse discurso falacioso e alienante seria diferente, bem diferente, se fossem 300 negros mortos por racismo - não me refiro às vítimas da criminalidade ou da polícia, mas sim àqueles que sejam mortos só por serem negros e ponto, sem mais nem menos. Aborda o sujeito na rua e mata, por que?, porque você é "preto".

É preciso enxergar que qualquer morte motivada por crime de ódio merece atenção. Se morressem 10 gays no Brasil, assassinados friamente apenas por serem gays, já seria preocupante. As estatísticas só fazem crescer, ainda que haja o receio de expor-se ao denunciar, ser humilhado pelas autoridades e abrir o peito ao preconceito à queima-roupa.

Segundo o IBGE, dos 5.561 municípios brasileiros, apenas "486 (8,7%) possuíam programas ou ações para o enfrentamento da violência contra LGBT" em 2011. Vê-se que as autoridades, boa parte delas, está se lixando - ou se acovardando ante o lobby conservador-fundamentalista (como o da Bancada Evangélica no Congresso).

A revolta diante de tal cenário é natural e justa; e não menos justa é a discussão de políticas públicas ou mesmo dispositivos legais para que as próximas águas sob a ponte não sejam tão turvas (sem confundir discussão com discurso-retórico-demagogo-embromador ad infinitum).

Gato de CheshireOu toda a comunidade LGBT deve ficar quieta porque já tem direitos demais e vive no país das maravilhas? Nem Alice teve só flores, chuchu; a guria já começou aos tombos e tendo que diminuir a si mesma to fit in...



"A homofobia é como o racismo, o anti-semitismo e outras formas de intolerância na medida em que procura desumanizar um grande grupo de pessoas, negar a sua humanidade, dignidade e personalidade." (Coretta Scott King, viúva de Martin Luther King Jr, negra americana ativista e líder dos direitos civis)


Referências:

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

4 mitos sobre filhos de pais gays

O gays lutaram e conquistaram direitos iguais no casamento. O próximo passo é pensar em família e filhos. Mas o que acontece com crianças que são criadas por gays? A resposta: algumas coisas - mas nenhuma daquelas que você imaginava



Começo de ano é sempre igual na escola de Theodora: cada aluno se apresenta e mostra as fotos da família. Pode ser que a menina da primeira carteira seja filha de um engenheiro e uma arquiteta e o pai do menino de cabelos vermelhos chefie a cozinha de um restaurante. Theodora, naturalmente, vai contar sobre a escola de cabeleireiros dos pais. Dos dois pais - Vasco Pedro da Gama e Júnior de Carvalho, juntos há quase 20 anos. Theodora não hesita em explicar para os colegas: não mora com a mãe e tem dois pais gays. Ela passou 4 anos num orfanato, até 2006, quando uma juíza de Catanduva, interior de São Paulo, autorizou a adoção. Nos próximos meses, a família vai crescer: o casal espera a guarda de uma nova menina, de apenas alguns meses de idade.

Na outra metade do mundo, a história com pais gays da americana Dawn Stefanowicz foi diferente. Por toda a vida, Dawn conviveu com a visita dos vários namorados do pai. Ele recebia homens em casa, embora ainda morasse com a mãe de Dawn- o casal já não se relacionava. Ela segurou as pontas em silêncio durante a infância, adolescência e início da fase adulta. Mas depois dos 30 se rebelou contra a situação. "A decisão do meu pai de não gostar mais de mulheres mudou minha vida. Os namorados dele sempre o afastaram, e ele colocava o trabalho e os namorados acima de mim", diz.

Dawn e Theodora fazem parte de um novo tipo de família. Somente nos EUA, segundo estimativa da Escola de Direito da Universidade da Califórnia, 1 milhão de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais criam atualmente cerca de 2 milhões de crianças. E cada vez mais casais gays optam por criar seus próprios filhos. Segundo o mesmo instituto, em 2009, 21.740 casais homossexuais adotaram crianças - quase o triplo do número de 2000. A estimativa é que cerca de 14 milhões de crianças, em todo o mundo, convivam com um dos pais gays. Por aqui, onde mais de 60 mil casais gays vivem numa união estável (reconhecida perante a lei apenas no ano passado), a história é mais recente. O caso de Theodora foi a primeira adoção por um casal gay. E isso não faz tanto tempo assim - só 6 anos.

É justamente por ser tão recente que o assunto gera dúvidas, preconceitos e medos. Quais as consequências na personalidade de uma criança se ela for criada por gays? A resposta dos estudos é bem clara: perto de zero. "As pesquisas mostram que a orientação sexual dos pais parece ter muito pouco a ver com com o desenvolvimento da criança ou com as habilidades de ser pai. Filhos de mães lésbicas ou pais gays se desenvolvem da mesma maneira que crianças de pais heterossexuais", explica Charlotte Patterson, professora de psiquiatria da Universidade da Virginia e uma das principais pesquisadoras sobre o tema há mais de 20 anos.

Como, então, explicar as queixas de Dawn e a vida tranquila de Theodora? "O desenvolvimento da criança não depende do tipo de família, mas do vínculo que esses pais e mães vão estabelecer entre eles e a criança. Afeto, carinho, regras: essas coisas são mais importantes para uma criança crescer saudável do que a orientação sexual dos pais", diz Mariana Farias, psicóloga e autora do livro Adoção por Homossexuais - A Família Homoparental Sob o Olhar da Psicologia Jurídica. Enquanto Theodora mantém uma relação próxima dos pais, com conversas abertas sobre sexualidade, Dawn não teve a mesma sorte. Para piorar, ela cresceu em um ambiente ríspido e promíscuo (o pai levava diferentes homens para casa e não lhe deu atenção durante os anos mais importantes de sua formação). Mesmo assim, sobram mitos em torno da criação de filhos por pais e mães gays. Veja aqui o que a ciência tem a dizer sobre eles.

Mito 1. "Os filhos serão gays!"

A lógica parece simples. Pais e mães gays só poderão ter filhos gays, afinal, eles vão crescer em um ambiente em que o padrão é o relacionamento homossexual, certo? Não necessariamente. (Se fosse assim, seria difícil, por exemplo, explicar como filhos gays podem nascer de casais héteros.) Um estudo da Universidade Cambridge comparou filhos de mães lésbicas com filhos de mães héteros e não encontrou nenhuma diferença significativa entre os dois grupos quanto à identificação como gays. Mas isso não quer dizer que não existam algumas diferenças. As famílias homoparentais vivem num ambiente mais aberto à diversidade - e, por consequência, muito mais tolerante caso algum filho queira sair do armário ou ter experiências homossexuais. "Se você cresce com dois pais do mesmo sexo e vê amor e carinho entre eles, você não vê nada de estranho nisso", conta Arlene Lev, professora da Universidade de Albany. Mas a influência para por aí. O National Longitudinal Lesbian Family Study é uma pesquisa que analisou 84 famílias com duas mães e as comparou a um grupo semelhante de héteros. Ainda entre as meninas de famílias gays, 15,4% já experimentaram sexo com outras garotas, contra 5% das outras. Já entre meninos, houve uma tendência contrária: 5,6% nos adolescentes criados por mães lésbicas tiveram experiências sexuais com parceiros do mesmo sexo - mas menos do que os que cresceram em famílias de héteros, que chegaram a 6,6%. Ou seja, não dá para afirmar que a orientação sexual dos pais tenha o poder de definir a dos filhos.


Mito 2. "Eles precisam da figura de um pai e de uma mãe"

Filhos de gays não são os únicos que crescem sem um dos pais. Durante a 2ª Guerra Mundial, estima-se que 183 mil crianças americanas perderam os pais. No Brasil, 17,4% das famílias são formadas por mulheres solteiras com filhos. Na verdade, os papéis masculino e feminino continuam presentes como referência mesmo que não seja nos pais. "É importante que a criança tenha contato com os dois sexos. Mas pode ser alguém significativo à criança, como uma avó. Ela vai escolher essa referência, mesmo que inconsciente-mente", explica Mariana Farias. Se há uma diferença, ela é positiva. "Crianças criadas por gays são menos influenciadas por brincadeiras estereotipadas como masculinas ou femininas", diz Arlene Lev. Uma pesquisa feita com 56 crianças de gays e 48 filhos de héteros apontou a maior probabilidade de meninas brincarem com armas ou caminhões. Brincam sem as amarras dos estereótipos e dos preconceitos.

Mito 3. "As crianças terão problemas psicológicos por causa do preconceito!"

Elas sofrerão preconceito. Mas não serão as únicas. No ambiente infantil, qualquer diferença - peso, altura, cor da pele - pode virar alvo de piadas. Não é certo, mas é comum. Uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas com quase 19 mil pessoas mostrou que 99,3% dos estudantes brasileiros têm algum tipo de preconceito. Entre as ações de bullying, a maioria atinge alunos negros e pobres. Em seguida vêm os preconceitos contra homossexuais. No caso dos filhos de casais gays analisados pelo National Longitudinal Lesbian Family Study, quase metade relatou discriminação por causa da sexualidade das mães. Por vezes, foram excluídos de atividades ou ridicularizados. Vinte e oito por cento dos relatos envolviam colegas de classe, 22% incluíam professores e outros 21% vinham dos próprios familiares. Felizmente, isso não é sentença para uma vida infeliz. Pesquisas que comparam filhos de gays com filhos de héteros mostram que os dois grupos registram níveis semelhantes de autoestima, de relações com a vida e com as perspectivas para o futuro. Da mesma forma, os índices de depressão entre pessoas criadas por gays e por héteros não é diferente.

Mito 4. "Essas crianças correm risco de sofrer abusos sexuais!"

Esse mito é resquício da época em que a homossexualidade era considerada um distúrbio. Desde o século 19 até o início da década de 1970, os gays eram vistos como pervertidos, portadores de uma anomalia mental transmitida geneticamente. Foi só em 1973 que a Associação de Psiquiatria Americana retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais. É pouquíssimo tempo para a história. O estigma de perversão, sustentado também por líderes religiosos, mantém a crença sobre o "perigo" que as crianças correm quando criadas por gays. Até hoje, as pesquisas ainda não encontraram nenhuma relação entre homossexualidade e abusos sexuais. Nenhum dos adolescentes do National Longitudinal Lesbian Family Study reportou abuso sexual ou físico. Outra pesquisa, realizada por três pediatras americanas, avaliou o caso de 269 crianças abusadas sexualmente. Apenas dois agressores eram homossexuais. A Associação de Psiquiatria Americana ainda esclarece: "Homens homossexuais não tendem a abusar mais sexualmente de crianças do que homens heterossexuais".

Dá para adotar no Brasil?

A lei de adoção brasileira deixa brechas para a adoção por gays sem fazer referência direta a esse tipo de família. Em 2009, quando houve mudanças na legislação, casais com união estável comprovada puderam entrar com pedido de adoção conjunta, sem o casamento civil. Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, fazendo valer também a eles os direitos previstos para casais héteros. Apesar das conquistas, uma pesquisa do Ibope revelou que 55% dos brasileiros são contra a união estável e a adoção de crianças por casais homossexuais.

Para saber mais
Adoção por Homossexuais - A Família Homoparental sob o Olhar da Psicologia Jurídica
Mariana de Oliveira Farias e Ana Cláudia Bortolozzi, Juruá, 2009.

sábado, 18 de junho de 2011

"Uma ilha cercada de ignorância por todos os lados"

A intenção do projeto "Escola Sem Homofobia", apesar de vir com atraso, era louvável: conscientizar e preparar professores e a própria escola a lidar com a diversidade sexual, a combater o bullying a que são submetidos alunos LGBTs nas escolas.

Bullying homofóbico nas escolas

Porém, saiu pela culatra (ui!). Apesar de considerado adequado, segundo a Unesco, o material a ser distribuído caiu como uma luva para conservadores radicais e mesmo moderados. Foi estupidamente apelidado de "kit gay", como se houvesse uma intenção doutrinária de "converter" crianças a um "gayzismo". Resultado: polemização eleitoral perfeita em 2011, seguida de engavetamento da ideia.

Um vídeo que um desavisado me enviou por email consegue condensar a alienação e alguns dos absurdos que se ouve, onde o preconceito previsivelmente beira o delírio. Resolvi assistir, só pra ver até onde vai a imbecilidade humana.

Vi que a boçalidade leva a criticar até a Educação Sexual nas escolas, como se o público alvo fossem "criancinhas", quando a matéria é dada pra adolescentes - os quais, se saem por aí fazendo filho cedo ou contraindo DTS (como AIDS) é justamente por falta de educação, e não por excesso de informação.

No geral, tudo apoia-se em dois pilares: contranaturalidade e religião, escolha (ou doença) e pecado.

O primeiro argumento ignora a diversidade sexual no Reino Animal, que opera por instinto e sem nossas distorções culturais. Há uma bobagem impregnada no senso comum, que recusa enxergar que ninguém opta por uma sexualidade, esse nosso lado instintivo - até porque seria meio imbecil escolher algo que vai te fazer sofrer a vida toda com preconceito, inclusive da própria família. É insano que essa suposição seja tomada como justificativa para marginalizar.

O segundo ignora que crença é algo íntimo, individual, não algo que se imponha a terceiros. O ódio é utilizado pelos mercadores da fé e/ou fundamentalistas como instrumento de marketing para vender algo que, em tese, prega o amor - e essa gente não tem pudores em distorcer, omitir e serem levianos, aplaudidos por um público que compra a ideia e faz a propaganda boca-a-boca. Isso eles querem ensinar nas escolas, a propagar o ódio via doutrinação religiosa...

Se fosse uma questão de escolha, poderia mudar seu gosto a qualquer hora? Nem se a mamãe pedir? Não, né? Então não é questão de escolha... Muitas pessoas chegam a ceifar a própria vida por não saber lidar com isso, com as dificuldades e rejeição - então, muito cuidado quando disser: "prefiro um filho morto do que..."

Conclui-se, daí, que as "crianças" devem ser protegidas - exceto as que sofrem bullying, claro. Parece imperar o achismo de que sexualidade é algo transmissível como uma gripe por espirro. Chega a ser hilário: ninguém vai virar "viado" lendo um texto, vendo um vídeo ou tendo uma amiga "sapatão", tampouco tendo professores ou alguém próximo assim - senão, não existiriam gays, filhos de casais heterossexuais (ou estou louco?). Não que o material do kit seja um espetáculo didático - na verdade (minha opinião) é até bobo/fraquinho, chega a ofender a inteligência da molecada... (google!!!)

Ainda que fosse uma opção, esta seria legítima! Que tenho eu a ver com algo que não interfere em minha vida e nem prejudica ninguém? Por exemplo, há gente que adora uma casquinha de siri. Eu acho nojento e a até a bíblia condena (risos), mas isso me dá o direito de constranger essa pessoa?

Afinal, qual o problema de se discutir segregação social e formas de violência gratuita nas escolas? A ignorância* certamente não contribui para uma sociedade melhor.

*Do lat. ignorantia, diz o Aurélio, entre outras coisas: "estado de quem ignora ou desconhece alguma coisa, não tem conhecimento dela".

Recomendo:
A frase-título é do Dr. Dráuzio Varella, que escreveu um artigo bem lúcido sobre a Violência contra homossexuais.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Vergolha alheia


"Nunca me senti tão constrangido como desta vez, quase 3 mil pessoas, inclusive mulheres e crianças, ficavam me chamando de bicha, de gay". O constrangimento é do meio-de-rede do Vôlei Futuro Michael. A denúncia, de um importante jogador que revela o preconceito de que foi vítima durante a derrota de 3 sets a 2 para o Sada-Cruzeiro, na última sexta, em Contagem-MG. (Leia a matéria completa. Muito bons os comentários do jogador).



Um evento que deveria ser ocasião de comemoração, de alegria por parte dos torcedores do Sada-Cruzeiro, torna-se palco para manifestação de intolerância (ou ignorância?) e desrespeito.

Estamos cansados da violência cotidiana que nos oprime e muitas vezes nos faz reféns de nossos lares. O jogador Michael conheceu mais uma das facetas dessa violência que nem todos conhecem.

É de se perguntar: que tipo de sociedade queremos? Pois é lamentável dar esse tipo de exemplo para as crianças ali presentes, exemplo que pode muito bem explicar atitudes covardes como espancar pessoas gratuitamente no futuro apenas por serem diferentes...

Cabe sim cobrar posicionamento do clube por sua omissão e permissividade quanto ao ocorrido. Ou então haverá conivência com algo tão escroto quanto o que acontece na Europa, quando xingam nossos jogadores, comparam a macacos... (Quem será que é primitivo nessa história? <- foi retórica)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Filho no mundo

0 Ando com medo... Percebi isso hoje, ao lembrar de um filme...
Não por essa violência cotidiana que a mídia explora pra vender hora e outra. Isso não me impressiona tanto... (Sim, overdose de exposição a coisas ruins prejudica a sensibilidade mesmo...)

O que me dá calafrios é esse entrincheiramento nos discursos moralistas e religiosos por uma parte da sociedade.
São procuradores (auto-intitulados) do "Senhor", defensores da "Família", dos "bons costumes" e de uma "moral" oportunista que me preocupam.
É ver líderes religiosos, políticos, ou mesmo personalidades exercendo sua "liberdade de expressão" para alimentar intolerância e fornecendo justificativa para atitudes covardes como espancar pessoas gratuitamente...

Atitudes covardes como dizer, preventivamente: "prefiro ter um filho morto do que gay"
Não se imagina a quantidade de pessoas que se suicidam por não conseguir lidar com a questão, com a pressão e violência emocional constante...
Fora as que não vivem, por não verem outra saída senão esconderem-se do mundo e de si mesmas.

Chega uma hora em que a gente se sente tão sufocado com uma sensação de estar em um mundo inóspito...
Como não reagir a declarações de que você é errado, moralmente corrupto, anormal, pecador, nojento, etc?
Tentam incutir uma lavagem cerebral para, se não for por medo, que se censure por vergonha.

E como reagir?
Vejo críticas dizendo que há exagero em tudo que é manifestação por direitos, que não há por que reclamar...
Queria ver quem se disporia à experiência de passar um ano sem tocar com carinho, abraçar ou muito menos beijar alguém que ama em público... (pra citar um dos aspectos)

Lembro que já sofri agressão verbal e até com objetos por me permitir ser livre e encarar a vida com naturalidade.
Já até peitei autoridade querendo abusar do poder, usando o cargo pra tolher minha liberdade ¬¬

Mas, ando com medo de como as coisas serão...
Lembrei do filme "Milk"...

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Argentina: Humanidade 1 x 0 Obscurantismo


É... A Argentina merece aplausos por ser o 1º país da América Latina a ater-se à igualdade de direitos entre cidadãos em se tratando da diversidade sexual. Bem diferente dos demais estados que ainda cedem ao lobby de religiosos cegos por dogmas que lembram a inquisição (e estados islâmicos)... União civil entre pessoas do mesmo sexo, útil ou não, ainda é uma vitória da civilização moderna sobre o supersticioso da humanidade!

De qualquer modo, com ou sem reconhecimento do Estado, com ou sem "direito", as pessoas continuarão tendo afeto, amor por quem bem entenderem. Numa visão simplista caberia questionar: Pra que diabos então homens (ou mulheres) vão querer unir-se civilmente entre si? Isso é importante? "Talvez"...
Talvez pela simples satisfação de não se ver mais marginalizado pela sociedade, pelo menos no papel. Talvez pela conquista de direitos iguais aos de casais convencionais, como herança, previdência (pensão), adoção, sem a necessidade de ficar se debatendo com trâmites jurídicos (e com juízes cabeças-ocas que confundem instituições tribunal/igreja).

Bem... Não vou esperar muito dos homens, visto que só na história relativamente recente é que se corrigiram algumas coisinhas...:
  • A emancipação feminina com direitos tão básicos como o próprio corpo, ao voto, ao trabalho, à voz...
  • O reconhecimento de negros como pessoas tanto quanto brancos... E pensar que houve tempos em que eram considerados "animais" e, portanto, sequer tinham "alma", pode? Com tolices justicam-se as barbáries, sempre...
  • Surdos/Mudos serem notados, respeitados e ouvidos. Fiquei pasmo durante uma aula de linguagem de sinais (LIBRAS) ao saber que pessoas assim não tinham direito ao estudo (que sequer existia), ao voto, a testamento ou herança (!!!), considerados tão incapazes quanto indivíduos com problemas mentais.
  • Os animais ganharam direitos, embora não desfrutem (bem como muitos humanos); só não ganharam "alma" ainda porque alguns macaquinhos talvez precisem disso para matá-los sem remorso ^^
  •  por aí vai...
E pensar que esses avanços ainda nem alcançaram o mundo todo... A ver...