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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O diálogo das andorinhas

Comentava com uma amiga o quanto me fez falta alguém com mais experiência pra dar “uma luz” enquanto ia descobrindo meio incerto o que fazer sobre o fato de ser algo "diferente" dos demais garotos em minha infância/aborrescência. Mais complicado ainda quando se cresce numa cidade minúscula de interior, com família tradicional – em tempos em que a internet era um vulto. Não tinha com quem falar e os medos e a ansiedade, entre várias outras coisas, não deixam a gente pensar direito. Amigos, família, outros grupos sociais: as conquistas vieram aos poucos, mas poderia ter sido uma trajetória mais suave. Por isso, sem arrogância, frequentemente me disponho a ser esse alguém que não tive.

Acho que todos que já superaram essa fase não podem se omitir a prestar solidariedade, apoio, compartilhar, sobretudo com quem ainda não se resolveu, pois: de que adianta discutir dignidade, respeito e direitos se muitos enxergam seus pares como “indignos” (rejeitando inconscientemente a própria identidade)?

Fácil certificar que não há exagero nesta abordagem. Basta perguntar por aí: "O que você acha do 'mundo gay?'", e calcular estatísticas. Pelas minhas contas pessoais...

Ainda é muito forte a internalização da visão negativa que a sociedade tem, assim como o machismo: são incontáveis os que estão angustiados com sua inadequação a um papel heteronormativo e misógino que desloca até mesmo heterossexuais.

A promiscuidade e a subversão então são assimiladas e apontadas com repulsa como sendo O padrão de comportamento/personalidade (sempre do próximo), chegando-se ao absurdo da culpabilização das vítimas – de maneira semelhante ao que ocorre com mulheres violadas covardemente em estupro: “não (se) respeitaram”, “deram motivo” (!).

Sendo assim, o diálogo não pode restringir-se exclusivamente a demandas políticas de mudança (Legislação, Políticas Públicas); tampouco é razoável dirigir-se apenas ao coletivo geral e sem rostos esperando que a consciência e então o respeito social sejam a norma, pois se trata de paradigma/tabu que ainda demorará a ser movido para o arquivo de coisas vergonhosas da história.

(Não é à toa que qualquer Política Pública com iniciativa de combate ao preconceito via Sistema Educacional seja ferozmente combatida. Aceleraria radicalmente o processo.)

A relevância e mesmo urgência desse diálogo politizado são inquestionáveis; os avanços são inquestionáveis. Como seria se não houvesse essas pessoas que se doam mesmo sendo ofendidas, perseguidas, ameaçadas? São as andorinhas que fazem a diferença.
Andorinhas

Porém está faltando um elemento essencial na comunicação feita por aqueles corajosos que são atuantes, pelos grupos mais organizados; falta um diálogo interno apaziguador, uma conversa sem floreios, franca, próxima e íntima com estas pessoas para mostrar o ser humano que existe sob a capa de fantasma com que nos cobrem. É algo que, salvo iniciativas dispersas, não vejo sendo feito em uníssono senão por grupos religiosos, conservadores, com intenções bem conhecidas: perpetuar o ódio.

A presença de personalidades formadoras de opinião (como artistas e atletas) declaradas abertamente LGBT na mídia de certo modo serve ao papel de desconstrução dessa autoimagem negativa, por ilustrar realidade distinta do submundo. Mas ainda não preenche a lacuna, até por serem realidades um pouco distantes do cotidiano comum... (E as que não são LGBT, apesar da importância social, não trazem o discurso a que me refiro).

Pra completar, há um debate quase obsessivo acerca da sexualidade ser ou não uma escolha/opção pessoal... Parece não haver a percepção de que dizer a quem está acuado que “ei, você nasceu assim” não dissolve os estereótipos per si, não muda a concepção do que a vida reserva.

É o que promoverá diminuição do preconceito interno e um maior engajamento: difundir uma visão mais realista -e portanto mais humana- de uma sexualidade tão marginalizada por supostos "crimes" e "pecados" e, assim, fazer perceber que há um outro mundo possível e desejável.