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domingo, 6 de outubro de 2013

Menina Inocência



É madrugada e ainda não há sol, embora claro.

A mulher de seus trinta e poucos entoa uma canção de ninar, sentada à beira do telhado úmido da casa de pedras (que certamente moeram ossos de alguns operários até edificada).

Está de camisola apenas, tão branca e transparente quanto sua pele - ora arroxeando com o vento frio.

Não fosse a geada e o chão coberto pelo fogo branco, o velho Antenor, seu vizinho, estaria ali varrendo e assoviando. Posteriormente prestaria testemunho então...

Mas ninguém viu -ou ouviu- o som macio, ôco do impacto.

Embolada em uma manta de bichinhos indistintos, aos poucos, distingue-se na calçada uma pequena mancha vermelha, escura.

Acima, Marta ainda entoa a canção de ninar, a que sempre recorria para pacificar o sono da criança nestas primeiras semanas.

Sua filha agora dorme, conclui amparando-se abraçada aos joelhos feridos pelas orações da véspera. Pobres joelhos...

terça-feira, 9 de abril de 2013

Bia

A compressa de camomila geladinha vai fechando os poros enquanto emagrece o olhar semi-morto - consciência que uma noite mal dormida revela sobre a idade. Com a visão e os cabelos desembaraçados do sono, agora sim, o dia começa.

Exceto pelo par de pantufas, Bia só abandona o quarto quando o espelho não deixa dúvida: impecável. Ela mesma acha graça no fato de parecer um personagem por usar sempre a combinação de camisa recatada, saia florida e maquiagem minuciosamente feita para não parecer maquiagem.

"Uma daquelas mulheres de comercial de margarina patriarcal", brinca fazendo beicinho. Apesar de independente (e de nem gostar de margarina), lhe agradaria um homem desse tipo "provedor", ficar em casa entretendo-se com as tarefas, com o mercado e as violetas teimosas à janela. _ Ainda troco por plástico!, aborrece-se.

Família, apenas mais um de seus sonhos imprecisos... Desde os 14 cuidando do lar e da mãe enferma, nunca tivera muito espaço para si. Na sala do minúsculo apartamento a vela que nessa semana do ano deixa religiosamente acesa arde perigosa ao lado do retrato de Dª Miriam - de quem herdou sua mania de limpeza, lembra olhando rancorosa para uma mancha no chão.

O tico de leite transborda na chaleira, única lembrança do velho, e a indecisão sobre chegar atrasada no trabalho ou limpar logo a torturará até inevitavelmente correr pro ponto de ônibus mascando umas bolachas amanhecidas. O único conforto é a sensação de adeus vinda com a sucessão de paisagens à janela - a janela que a salvará da ausência de verde de seu bairro e das caras aborrecidas no veículo. Descruza e recruza as pernas.


_ As mesmas caras..., pensa alto e logo recriminada por algum franzir de testa. A carapuça em verdade é para os infinitos clientes cuja voz abafada a sufocam diariamente no atendimento telefônico. Talvez fossem mais simpáticos se vissem como é bonita... Mas são todos iguais, assim como a voz de atendente de telemarketing...

Espia, com o mesmo olhar fúnebre de quando acordou, o nome "Fábio" no crachá. "Gente bonita é melhor tratada", resmungava repetindo para si que aquilo era temporário, como tudo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Mad World



All around me are familiar faces
Worn out places
Worn out faces
Bright and early for the daily races
Going no where
Going no where
Their tears are filling up their glasses
No expression
No expression
Hide my head I wanna drown my sorrow
No tomorrow
No tomorrow...

And I find it kind of funny
I find it kind of sad
The dreams in which I'm dying are the best I've ever had
I find it hard to tell you
I find it hard to take
When people run in circles its a very very
Mad world
Mad world...

sábado, 24 de dezembro de 2011

Pode me dar um abraço?


Foto de Fabio Sabatini: Can't Stop The Self-Hug

Estava sentado no banquinho da praça desligado do planeta, exceto pelo ventinho e o sol teimando em atravessar os escuros óculos.

Psiu, fez a senhora no banco ao lado.Um pouco cismado (não são só os animais que têm o prudente medo do bicho homem), atendeu ao pedido e avizinhou as nádegas lá do ladinho.

Em tom de clarividência perguntou se era paulista. "Essa velha quer me comer, só pode".Sim, respondeu, foragido.

Sem coordenação suficiente nas mãos, a estranha pediu que pegasse o isqueiro e o cigarro. Mesmo odiando esse tipo de incenso, acendeu só para ver aonde daria (câncer!, torceu sombriamente).

Já íntima, contou que tinha depressão e que estava esperando não sei o que para ir no aniversário da filha. Devia ser mais uma daquelas que a velhice e a decepção tirou o juízo para lhe conceder no imaginário aquilo que não conseguiu colocar em seu enredo mundano...

Ouviu-a até o silêncio e a vontade de voltar à brisa solitária vierem. Logo não titubeou muito em fingir chegar alguém que esperava.

Você pode me dar um abraço? Não, isso eu não posso não, senhora. E despediu-se.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A vida como ela é...

"Alguém dirá que A vida como ela é... insiste na tristeza e na abjeção. Talvez, e daí? O homem é triste e repito: - triste do berço ao túmulo, triste da primeira à última lágrima. Nada soa mais falso do que a alegria. Rir num mundo miserável como o nosso é o mesmo que, em pleno velório, acender o cigarro na chama de um círio. Pode-se dizer ainda que é triste A vida como ela é... - porque o homem morre. Que importa tudo o mais, se a morte nos espera em qualquer esquina? Convém não esquecer que o homem é, ao mesmo tempo, o seu próprio cadáver. Hora após hora, dia após dia, ele amadurece para morrer. Há gêneros alegres, eu sei. Fala-se em "teatro para fazer rir". Mas uma peça que tenha essa destinação específica é tão absurda, obscena, como seria uma missa cômica.

Agora o aspecto da sordidez. Nas abjeções humanas, há ainda a marca da morte.

Sim, o homem é sórdido porque morre. No seu ressentimento contra a morte, faz a própria vida com excremento e sangue."
Nelson Rodrigues

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Inobjetivamente...



Sentou-se, ensaiou algum gesto vago... Não.
Descansa as têmporas nas mãos - até que o pulsar das veias incomode...
Suspira fundo: mecanicamente... Os pulmões tateiam aerofóbicos o ar...

Nada. Tudo o que tem a oferecer ao retângulo, fatalmente branco, são fragmentos que amontoam-se vagos num mosaico de realidade borrada como o de que se cercam aqueles que perderam a capacidade de sentir fome.

Mas havia algo... Sim: "pléc", fez a pedrinha. Ele sorriu, satisfeito; havia fundo...

Levantou-se e foi comer uma banana