segunda-feira, 30 de abril de 2012

Intolerância religiosa

Sou ateu e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos.

A humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que parecem extraterrestres.

Dono de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.

Todos os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais.

Mãos Entrelaçadas, do PortinariJamais faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos à interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido. Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.

Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua cosmovisão, devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com crenças alheias.

Que sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?

Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada, quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta, ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?

Quantas tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?

O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome d’Ele sejam cometidas as piores atrocidades.

Os pastores milagreiros da TV, que tomam dinheiro dos pobres, são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares, porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus seriam considerados mensageiros de satanás.

Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes nos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.

O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade — quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.

Para o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo.

Fui educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou violenta.

Quanto aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.

2 comentários:

  1. "Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais." Eu tenho uma pergunta baseada nesse trecho: A realidade existe por si só ou depende de nós para recriarmos o mundo a nossa vontade? Se sou deprimido e vejo a lado ruim de tudo, sempre, isso elimina o lado bom?
    Tenho essa vaga ideia de que a realidade que vivemos depende de nós para existir [a realidade, não o mundo] e por isso cabe nós querer recria-la de acordo com nossa vontade.
    Afinal, amigos imaginarios só o são para os outros, pq, para quem os tem, eles são bem reais [ou pelo menos para esquizofrênicos]. Seriamos todos loucos?
    Seria uma longa discussão. Portanto, pra finalizar. Existe a possibilidade de que seja tudo uma questão de vontade? De escolher no que acreditar?

    Ps: Bom blog, gostei de sua escrita...

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    1. Concordamos que é algo sobre o que há uma extensão enorme de coisas a considerar, a realidade.
      São duas perguntas, que não tenho a pretensão de ter resposta rss. Levarei em consideração esse artigo do Drauzio Varella onde postou seu comentário.

      "A realidade existe por si só ou depende de nós para recriarmos o mundo a nossa vontade?"

      Quando falou em realidade [não o mundo] me deu a impressão de que se referia à percepção de realidade, que tem lá suas limitações.

      Limitação 1: O concreto.
      Dificilmente um monstro saltará do armário e me arrastará para outra dimensão, embora eu jure que aqueles ruídos e demais "indícios" apontem para um, e dos grandes.

      Mas posso obrigar meus irmãozinhos a esconderem-se da fera - cuja "existência" não afetará suas vidas, exceto pelo que eu fizer (e obrigá-los a fazer) a respeito no bom intuito de preservá-los.

      Embora algo cause-me sensações reais, isto não torna o objeto real. Vide supersticiosos e ciumentos (risos). Reais serão as ações tomadas e seus resultados, se construirmos objetivamente, como um bolo d laranja [hummm].


      Limitação 2: Exclusão.
      O depressivo, embora não vivencie, tem consciência do bom; só lamenta o "fato" de não fazer parte de seu universo sombrio (ou de não conseguir sentir). Ou seja, neste caso um universo não está excluído.

      Por outro lado, os índios sem contato com o homem "branco", embora vivam uma realidade diferente (essa sim realidade, o que experimentam objetivamente), também não excluem para um universo paralelo a sociedade moderna.

      É uma provocação comum, válida tanto para extraterrestres como para o sapo-boi azul guardião do tempo, essa de que não é porque não acreditamos/vemos/percebemos que inexiste. Se formos nos apegar a isto, tenho que considerar a possibilidade de uma comunidade de vampiros esteja às sombras planejando nos escravizar para cultivar nosso "suco" (como fazem as formigas com os pulgões).


      Limitação 3: Distorções.
      Percepção está intimamente ligada à imaginação. Interpretamos os sentidos com o cérebro, que pode ser ludibriado, tem um apego viciado a padrões, "bugs" e apresenta defeitos mais ou menos graves (como a esquizofrenia, autismo, depressão, ou até burrice em excesso - risos, de novo).

      São exemplos a maneira como corrompemos nossas memórias (azul ou vermelho?), como preenchemos lacunas no que enxergamos, no que ouvimos (e ouvimos diferente: basta pesquisar a maneira como reproduzem o latido dos cães em diversas culturas).

      E há, é claro, os relacionamentos e vida em sociedade, com seus joguinhos, tabus e preconceitos. Coisas subjetivas que poderíamos realmente mudar... Não estarei vivo pra ver "tudo" bonito.

      Partindo desse ponto de vista [subjetivo], a melhor maneira de mudar a realidade é mudando a maneira de encará-la. É um processo...

      Ah, mas se é assim: "Existe a possibilidade de que seja tudo uma questão de vontade? De escolher no que acreditar?"

      Não vejo muito como uma questão de escolha, mas mais como contexto. O meio cultural, família, experiências etc influenciam muito (eu poderia ser budista ou islâmico, dependendo de onde nascesse, por ex.).

      Nem avançarei no mérito de ambiente + genética, do que pouco entendo (mas pretendo ler mais a respeito, apesar ou em razão de assustador haha).

      Se não vejo evidências e nem [subjetivamente] "sinto" algo, não tenho razões para Concluir pela procedência.

      Desculpe se não era esse exatamente o sentido que estava pensando (mas me entreti escrevendo haha)

      PS: Obrigado =)

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