sábado, 1 de fevereiro de 2014

A novela "do Félix", do beijo ao fim

Félix (Mateus Solano), da novela "Amor à Vida"

Ainda que você não assista a novelas e tampouco tenha paciência pra programas dominicais da TV aberta, provavelmente conhece Félix, o personagem vivido por Mateus Solano em "Amor à Vida", cujo carisma fisgou o público e largou o restante da trama na penumbra.

Após a eterna Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) e a infame Carminha (Adriana Esteves), não lembro ter visto um vilão (redimido, mas vilão) tão querido, odiado e comentado. Com suas tiradas rendendo memes e alimentando fanpages nas redes sociais Internet afora, entrou para o rol de vilões consagrados pela audiência e carinho dos telespectadores - regozijos com o humor negro.

"Onde foi que ganhei essa fama de coração de ouro? Ou será que estou em Israel e fui confundido com o Muro das Lamentações?"

Tudo em razão do personagem ser gay? Obviamente, não é caso de se questionar o talento do ator; é mérito dele o espaço no texto de Walcyr Carrasco, não menos responsável pelo sucesso. Mas também não dá pra negar que é um tempero bastante forte, "picante" (risos).

Algumas cenas bem tensas de rejeição familiar, conflito interno e outros embates característicos de um indivíduo gay trouxeram certo ineditismo ao pastelão das 21h, pela abordagem mais humanizada e menos assexuada, com direito a formar par romântico com o carneirinho/anjinho Niko (Thiago Fragoso) - tão fofo...

Bem, já que estamos na chuva... Um beijo molhadinho cairia bem, cobrava a plateia.

Tal sucesso, entretanto, não afastava meu ceticismo quanto a um beijo entre dois homens acontecer em horário nobre da TV Globo... Haja vista o fiasco em "América" (2005), novela em que até os comerciais eram insossos.

E não é que aconteceu?! Aos 45 do segundo tempo, no último capítulo da "novela do Félix" exibido ontem em horário nobre! (31/01/2014: Aqui jaz mais uma das pregas do Tabu e o mundo não acabou). Veja aqui.

Beijo de Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso), na novela "Amor à Vida"
O início é beijo, posto que o beijar começa implícito. É beijo: do beijo ao fim

Sílvio Santos, atrevido que é, do alto de seus 80 e lá vai pedrada (!!!), deve estar esnobando:
_ Grande coisa... Já fiz. (O primeiro beijo gay de uma novela brasileira foi ao ar no SBT, em 2011, na novela "Amor e Revolução", entre mulheres – dizem as más línguas que a cena ficou artificial e forçada).

(Pra quem não assiste a novelas, estou muito informadinho, não? haha)

Achei maravilhoso! Esse papo de que "a sociedade não está preparada" nunca me convenceu. Além de a expressão em si já ser de causar vergonha alheia, é temerário necessitar "autorização" para algo tão humano. Exemplo: Casais inter-raciais deveriam ter ficado esperando "a sociedade estar preparada" pra se amar? Estaríamos até hoje na Apartheid.

Não estão preparados pra um simples gesto de afeto? Claro, pois bom mesmo é violência, morte, traição, sangue, corrupção, drogas, etc., etc., etc... O próprio Félix não foi o melhor dos seres humanos... Será que o beijo seria o pior crime? Oo
(Isso apenas pra citar a corrupção social costumeira. Não estou entre os adeptos da ideia de que a ficção deva ser "higienizada", eufemismada e empobrecida de elementos; necessita ser livre pra ser boa ou ruim em qualquer medida).

"Não repare a bagunça", diria a dona de casa cínica, depois de passar horas se matando na faxina pra receber a visita.

Foi importante, tanto para aproximação do público em geral (onde predomina uma visão distorcida) quanto para parcela do público LGBT que destila preconceito autodirigido. Por que? Porque fora exposta ali outra realidade, contra a qual muitas facetas há recusa em enxergar:

Amor à vida (depois do beijo gay)

Um final de novela honesto. Honesto com a realidade contemporânea: as pessoas se amam, se respeitam, formam novos arranjos familiares. (...)

E é nesse ponto que Walcir Carrasco foi ímpar. Félix não só se redimiu, mas ficou com o fardo (desculpem o termo) do pai. Félix "adotou" aquele que lhe incutiu o preconceito mais doloroso: o de não ser aceito pela própria família.

César, que foi cruel, egoísta, machão comedor e o maior trouxa da história das telenovelas poderia ser cuidado por uma equipe de enfermeiros, poderia ter sido despejado num asilo chiquérrimo e caríssimo (porque a família tinha condições), mas Félix não abandonou seu pai.

Essa é uma realidade muito comuns entre os gays. Nem todos podem morar numa casa de praia com um marido lindo e dócil como o Nico, mas a maioria herda os pais para receber os cuidados do fim da vida. Sim, os irmãos se casam, mudam-se, o tempo passa, as visitas aos pais diminuem e quem fica para cuidar deles? O filho gay.

Obrigado à toda produção de Amor à vida por mostrarem um gay que não é baladeiro, que não é promíscuo, que teve seus tropeços, como gays e héteros têm, mas que percebeu na família (a família de que veio e a família que formou com seu marido) o grande valor verdadeiro. Por César Lucas Vendrame

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