quarta-feira, 5 de março de 2014

12 anos de escravidão

"Escravo" Salomon, aderindo ao coro de louvor com outros escravos.

"12 Years a Slave" é de uma agudeza e força desconcertantes. O diretor inglês Steve McQueen traz à luz das telas a história* de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um negro liberto que sofre um revés: é enganado e vendido como escravo no sul dos EUA, longe da família e da vida que construíra em Nova York. (*Base em fatos descritos pelo próprio Solomon, em livro homônimo à película)

O sequestro de um homem livre é simbólico e serve de passaporte para nos conduzir à empatia, fazendo sentir as veias pulsarem no pescoço enquanto estranguladas pelo peso daquela história, nos coagindo então a manter os olhos abertos a tudo que grita silenciosamente no filme: a solidão; a segregação pelo medo (este, quase um idioma à parte); o vazio de não ter alternativa senão a submissão conformada, a entrega ao "destino". Doloroso...

O tom cândido das imagens e a brisa tranquila contrastam com a objetificação e a violência, as quais paulatinamente vão transformando a vida em algo latente.

Por vezes, a sensação é de estar assistindo a uma tourada, com o bicho sendo espetado, morto aos poucos: dentro do jogo há os que aplaudem e fora ficam os que compadecem algo impotentes (Picasso nos deixou tal sentimento competentemente retratado em seus infindáveis touros...)

Escrava Patsey (Lupita Nyong'o) com uma pedra de sabão na mão.

Não é uma peça panfletária e nem faz apelos emocionais desnecessários (ou sentimentalismo), até porque a História basta-se. Não se sobressaem clichês. É honesto o filme.

Delineia-se claramente, cruamente, o humano, inclusive no que há de pior. E este pior dá relevo ao aspecto "cristão" dos senhores de escravos - os quais, contraditoriamente, tomam por animais os mesmos seres que catequizam para o Céu (lá seriam todos apenas homens, finalmente?).

Merecido o Oscar 2014 de melhor filme.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

A novela "do Félix", do beijo ao fim

Félix (Mateus Solano), da novela "Amor à Vida"

Ainda que você não assista a novelas e tampouco tenha paciência pra programas dominicais da TV aberta, provavelmente conhece Félix, o personagem vivido por Mateus Solano em "Amor à Vida", cujo carisma fisgou o público e largou o restante da trama na penumbra.

Após a eterna Nazaré Tedesco (Renata Sorrah) e a infame Carminha (Adriana Esteves), não lembro ter visto um vilão (redimido, mas vilão) tão querido, odiado e comentado. Com suas tiradas rendendo memes e alimentando fanpages nas redes sociais Internet afora, entrou para o rol de vilões consagrados pela audiência e carinho dos telespectadores - regozijos com o humor negro.

"Onde foi que ganhei essa fama de coração de ouro? Ou será que estou em Israel e fui confundido com o Muro das Lamentações?"

Tudo em razão do personagem ser gay? Obviamente, não é caso de se questionar o talento do ator; é mérito dele o espaço no texto de Walcyr Carrasco, não menos responsável pelo sucesso. Mas também não dá pra negar que é um tempero bastante forte, "picante" (risos).

Algumas cenas bem tensas de rejeição familiar, conflito interno e outros embates característicos de um indivíduo gay trouxeram certo ineditismo ao pastelão das 21h, pela abordagem mais humanizada e menos assexuada, com direito a formar par romântico com o carneirinho/anjinho Niko (Thiago Fragoso) - tão fofo...

Bem, já que estamos na chuva... Um beijo molhadinho cairia bem, cobrava a plateia.

Tal sucesso, entretanto, não afastava meu ceticismo quanto a um beijo entre dois homens acontecer em horário nobre da TV Globo... Haja vista o fiasco em "América" (2005), novela em que até os comerciais eram insossos.

E não é que aconteceu?! Aos 45 do segundo tempo, no último capítulo da "novela do Félix" exibido ontem em horário nobre! (31/01/2014: Aqui jaz mais uma das pregas do Tabu e o mundo não acabou). Veja aqui.

Beijo de Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso), na novela "Amor à Vida"
O início é beijo, posto que o beijar começa implícito. É beijo: do beijo ao fim

Sílvio Santos, atrevido que é, do alto de seus 80 e lá vai pedrada (!!!), deve estar esnobando:
_ Grande coisa... Já fiz. (O primeiro beijo gay de uma novela brasileira foi ao ar no SBT, em 2011, na novela "Amor e Revolução", entre mulheres – dizem as más línguas que a cena ficou artificial e forçada).

(Pra quem não assiste a novelas, estou muito informadinho, não? haha)

Achei maravilhoso! Esse papo de que "a sociedade não está preparada" nunca me convenceu. Além de a expressão em si já ser de causar vergonha alheia, é temerário necessitar "autorização" para algo tão humano. Exemplo: Casais inter-raciais deveriam ter ficado esperando "a sociedade estar preparada" pra se amar? Estaríamos até hoje na Apartheid.

Não estão preparados pra um simples gesto de afeto? Claro, pois bom mesmo é violência, morte, traição, sangue, corrupção, drogas, etc., etc., etc... O próprio Félix não foi o melhor dos seres humanos... Será que o beijo seria o pior crime? Oo
(Isso apenas pra citar a corrupção social costumeira. Não estou entre os adeptos da ideia de que a ficção deva ser "higienizada", eufemismada e empobrecida de elementos; necessita ser livre pra ser boa ou ruim em qualquer medida).

"Não repare a bagunça", diria a dona de casa cínica, depois de passar horas se matando na faxina pra receber a visita.

Foi importante, tanto para aproximação do público em geral (onde predomina uma visão distorcida) quanto para parcela do público LGBT que destila preconceito autodirigido. Por que? Porque fora exposta ali outra realidade, contra a qual muitas facetas há recusa em enxergar:

Amor à vida (depois do beijo gay)

Um final de novela honesto. Honesto com a realidade contemporânea: as pessoas se amam, se respeitam, formam novos arranjos familiares. (...)

E é nesse ponto que Walcir Carrasco foi ímpar. Félix não só se redimiu, mas ficou com o fardo (desculpem o termo) do pai. Félix "adotou" aquele que lhe incutiu o preconceito mais doloroso: o de não ser aceito pela própria família.

César, que foi cruel, egoísta, machão comedor e o maior trouxa da história das telenovelas poderia ser cuidado por uma equipe de enfermeiros, poderia ter sido despejado num asilo chiquérrimo e caríssimo (porque a família tinha condições), mas Félix não abandonou seu pai.

Essa é uma realidade muito comuns entre os gays. Nem todos podem morar numa casa de praia com um marido lindo e dócil como o Nico, mas a maioria herda os pais para receber os cuidados do fim da vida. Sim, os irmãos se casam, mudam-se, o tempo passa, as visitas aos pais diminuem e quem fica para cuidar deles? O filho gay.

Obrigado à toda produção de Amor à vida por mostrarem um gay que não é baladeiro, que não é promíscuo, que teve seus tropeços, como gays e héteros têm, mas que percebeu na família (a família de que veio e a família que formou com seu marido) o grande valor verdadeiro. Por César Lucas Vendrame

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O diálogo das andorinhas

Comentava com uma amiga o quanto me fez falta alguém com mais experiência pra dar “uma luz” enquanto ia descobrindo meio incerto o que fazer sobre o fato de ser algo "diferente" dos demais garotos em minha infância/aborrescência. Mais complicado ainda quando se cresce numa cidade minúscula de interior, com família tradicional – em tempos em que a internet era um vulto. Não tinha com quem falar e os medos e a ansiedade, entre várias outras coisas, não deixam a gente pensar direito. Amigos, família, outros grupos sociais: as conquistas vieram aos poucos, mas poderia ter sido uma trajetória mais suave. Por isso, sem arrogância, frequentemente me disponho a ser esse alguém que não tive.

Acho que todos que já superaram essa fase não podem se omitir a prestar solidariedade, apoio, compartilhar, sobretudo com quem ainda não se resolveu, pois: de que adianta discutir dignidade, respeito e direitos se muitos enxergam seus pares como “indignos” (rejeitando inconscientemente a própria identidade)?

Fácil certificar que não há exagero nesta abordagem. Basta perguntar por aí: "O que você acha do 'mundo gay?'", e calcular estatísticas. Pelas minhas contas pessoais...

Ainda é muito forte a internalização da visão negativa que a sociedade tem, assim como o machismo: são incontáveis os que estão angustiados com sua inadequação a um papel heteronormativo e misógino que desloca até mesmo heterossexuais.

A promiscuidade e a subversão então são assimiladas e apontadas com repulsa como sendo O padrão de comportamento/personalidade (sempre do próximo), chegando-se ao absurdo da culpabilização das vítimas – de maneira semelhante ao que ocorre com mulheres violadas covardemente em estupro: “não (se) respeitaram”, “deram motivo” (!).

Sendo assim, o diálogo não pode restringir-se exclusivamente a demandas políticas de mudança (Legislação, Políticas Públicas); tampouco é razoável dirigir-se apenas ao coletivo geral e sem rostos esperando que a consciência e então o respeito social sejam a norma, pois se trata de paradigma/tabu que ainda demorará a ser movido para o arquivo de coisas vergonhosas da história.

(Não é à toa que qualquer Política Pública com iniciativa de combate ao preconceito via Sistema Educacional seja ferozmente combatida. Aceleraria radicalmente o processo.)

A relevância e mesmo urgência desse diálogo politizado são inquestionáveis; os avanços são inquestionáveis. Como seria se não houvesse essas pessoas que se doam mesmo sendo ofendidas, perseguidas, ameaçadas? São as andorinhas que fazem a diferença.
Andorinhas

Porém está faltando um elemento essencial na comunicação feita por aqueles corajosos que são atuantes, pelos grupos mais organizados; falta um diálogo interno apaziguador, uma conversa sem floreios, franca, próxima e íntima com estas pessoas para mostrar o ser humano que existe sob a capa de fantasma com que nos cobrem. É algo que, salvo iniciativas dispersas, não vejo sendo feito em uníssono senão por grupos religiosos, conservadores, com intenções bem conhecidas: perpetuar o ódio.

A presença de personalidades formadoras de opinião (como artistas e atletas) declaradas abertamente LGBT na mídia de certo modo serve ao papel de desconstrução dessa autoimagem negativa, por ilustrar realidade distinta do submundo. Mas ainda não preenche a lacuna, até por serem realidades um pouco distantes do cotidiano comum... (E as que não são LGBT, apesar da importância social, não trazem o discurso a que me refiro).

Pra completar, há um debate quase obsessivo acerca da sexualidade ser ou não uma escolha/opção pessoal... Parece não haver a percepção de que dizer a quem está acuado que “ei, você nasceu assim” não dissolve os estereótipos per si, não muda a concepção do que a vida reserva.

É o que promoverá diminuição do preconceito interno e um maior engajamento: difundir uma visão mais realista -e portanto mais humana- de uma sexualidade tão marginalizada por supostos "crimes" e "pecados" e, assim, fazer perceber que há um outro mundo possível e desejável.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Mulheres Descamisadas

(Re)Produzem-se toneladas de parvoíces quando se trata da exposição dos seios femininos em público: "se dar o respeito", "se valorizar", "ter pudor", "putas", "gente de bem" versus "vagabundas", "peito de mulher é sexualizado, o de homem não"...

Engraçado que no Carnaval só o que faltam mostrar é o bico dos seios e não se vê mobilização para despejar ofensas - claro, pois os mamilos é que são polêmicos! haha

São agressões desferidas com a naturalidade de quem corta um tomate para fazer um vinagrete, como se o alvo não fosse digno de respeito. Estarrecedor (talibans aplaudem). Se você for homem, prevalece o óbvio de que natural mesmo é ficar a pele e pelos nesse verão escaldante; senão é "atentado ao pudor".

Saga da bestialidade humana. Capítulo: seios.
Mulher: peitos permitidos

Há algumas décadas não eram muito diferentes os "elogios" sobre mostrar os braços ou o colo do peito. Felizmente houveram mudanças - e avanços. Hoje em dia isso seria ridículo, certo? Fica evidente o quão contraditório e fraquinho é o argumento de que o topless não deve ser permitido por não fazer parte da Cultura brasileira... Se a Cultura não fosse algo mutável ainda estaríamos caçando bichos a pedradas para alimentar-se (embora a mania de matar a pedradas não tenha cessado...).

De um lado, homens bocós que parecem ter medo de mulher, odiando o fato de perder o monopólio sobre a liberdade de fazer algo tão "épico" como descobrir os peitos ao ar livre. _ Oh, os peitos dela não serão mais "virgens" :'( E eis que o rancor misógino prevalece sobre a educação - oportunidade para alguns animais.

De outro, mulheres machistas que, de tão adestradas, nem percebem a demonização/submissão do próprio corpo. E, além de não contribuírem em nada pra mudar, ainda atiram pedras (!). Que continuem comportadinhas, com medinho paranoico das "vagabundas" tomarem seus homens, censurando qualquer comportamento/roupagem que as ameace; que continuem cavando mais fundo a vala que igualmente as reprime... (Acorda, menina!)

É o moralismo largando o cérebro no automático, por mais bestial que seja o resultado. Apela-se até pra escrotice de dizer que estão pedindo para serem estupradas por estarem "dando cabimento". Esse é o tipo de pensamento que te faz Cúmplice - sim, Cúmplice: por fertilizar terreno pra esse tipo de violência em que a vítima recebe o "bônus" de ser tratada como se culpada fosse.

Não surpreende que cheguem ao cúmulo do absurdo de rejeitar/desmoralizar até mesmo a visão de algo tão belo como a amamentação, inserindo o gesto na categoria de coisas "inadequadas" e até "desresPeitosas" de se fazer em público. Só pode se tratar de uma sociedade doente... (Que segue recrutando os pequenos a perpetuarem a mesma boçalidade)



PS: Necessário o movimento "Marcha das Vadias" que, dentre outras coisas, reivindica à mulher a jurisdição sobre seu corpo. As reações ao último protesto, "Toplessaço", deixam isso bem claro.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Os privilégios que os LGBTs querem

A ideia de que os LGBTs (eu incluso) queiram "mais" direitos em detrimento do restante dos cidadãos visa, rasteiramente, segregá-los ainda mais e colocá-los na posição de: Sociedade x "Eles".

É alimentada por falácias, da série “bobagens a repetir até colar”, que tentam confundir os conceitos de privilégio e de proteção a direitos que são diariamente cerceados pela intolerância.

Não se trata de "mais" e sim dos mesmos direitos, algo que não está garantido apesar dos mesmos deveres. Direito à dignidade, ao simples direito de ir e vir, à Segurança, à Educação (tendo em vista a evasão por causa do bullying), vários outros direitos civis e etcéteras. Isso é privilégio?
facepalm implícita - quando algo é tão, mas tão estúpido que o gesto nem é necessário...

Não, não tem fundamento algum falar em privilégio. Essa afirmação é de uma boçalidade tão gritante quanto dizer o mesmo de outras leis de proteção social, tais como:
  • A Lei Maria da Penha nasceu para proteger adequadamente as mulheres do machismo que as oprime com violência (moral, física e psicológica). A delegacia da mulher foi um outro avanço, para (em tese) tratá-las de maneira digna em momentos devastadores como o estupro e ampará-las quanto às surras do macho "exemplar" que as destrói em casa, pra citar 2 exemplos. Será que Delegacia da Mulher, assim como Hospital da Mulher, não deveria existir também por ser um "privilégio" que os homens não têm?...
  • O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deveria ser revogado? Não pago pra ver se, entre outros, mortalidade infantil, gravides na adolescência, exploração do trabalho levam a nação muito adiante...
  • O Estatuto do Idoso também? Que a negligência, descaso, falta de educação e consideração reinem sem ele?
  • A Lei contra o Racismo, complementando a Constituição Federal pune a discriminação por raça, cor, etnia (qualquer que seja), bem como religião (!) ou procedência nacional; nasceu para que não se mantivesse as pessoas (principalmente afrodescendentes) à margem da impunidade contra as agressões à sua dignidade (alguma semelhança?)
  • O Estatuto do Índio (e Constituição, inclusive) os protege, pois doutra forma provavelmente estariam mais perto da extinção. Pra que índios, né?

Será que todos esses grupos são "privilegiados" e estão postos "acima" da sociedade ou estão protegidos das distorções provenientes dela? Essa proteção se dá sob o princípio constitucional da igualdade, que significa "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades". Ou seja, tal tratamento visa ao equilíbrio, a dar condições para que os mesmos direitos e deveres sejam satisfeitos.

Neste sentido, o PLC122, ora mandado à UTI pelo Legislativo, propõe tornar crime o ato de quem for "praticar, induzir ou incitar a discriminação", do que resulte a "ação violenta, constrangedora, intimidatória e vexatória, seja ela de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica". Isto não apenas envolvendo LGBTs, pois altera a mesma lei anti-racismo já citada e amplia o grupo: "crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência".

Chamam a isto "mordaça gay". Sério? Vamos reler esse trecho:
de que resulte a "ação violenta, constrangedora, intimidatória e vexatória, seja ela de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica"
Liberdade de expressão não vem sem responsabilidade/consequências, nem é desculpa para ter Liberdade de Opressão, garantida pela Impunidade.

Laerte sobre preconceito contra gays

Alguns argumentarão, seguindo a linha de J.R. Guzzo (autor do famigerado "Parada Gay, Cabra e Espinafre", publicado pela Revista Veja), que não tem sentido um projeto assim, visto que a violência atingiria a toda a sociedade igualmente, sendo os homossexuais uma parcela ínfima das estatísticas: "entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no Brasil. Mas, num país onde se cometem 50 000 homicídios por ano, parece claro que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos". Só faltou concluir com aquele bordão de que "há coisas mais importantes..." (Diga isso a quem não pode andar tranquilo na rua, à família e amigos de quem teve a vida ceifada covardemente; diga isso ao cidadão que pensa diariamente em tirar a própria vida por causa da pressão social que o cerca; vá lá e diga que "há coisas mais importantes")

Entretanto... Uma coisa é a criminalidade de que a sociedade toda é refém: roubos, tráfico, homicídios em geral, trânsito, corrupção, etc. Outra coisa é o Crime de Ódio, a que nem todos estão sujeitos. Garanto que esse discurso falacioso e alienante seria diferente, bem diferente, se fossem 300 negros mortos por racismo - não me refiro às vítimas da criminalidade ou da polícia, mas sim àqueles que sejam mortos só por serem negros e ponto, sem mais nem menos. Aborda o sujeito na rua e mata, por que?, porque você é "preto".

É preciso enxergar que qualquer morte motivada por crime de ódio merece atenção. Se morressem 10 gays no Brasil, assassinados friamente apenas por serem gays, já seria preocupante. As estatísticas só fazem crescer, ainda que haja o receio de expor-se ao denunciar, ser humilhado pelas autoridades e abrir o peito ao preconceito à queima-roupa.

Segundo o IBGE, dos 5.561 municípios brasileiros, apenas "486 (8,7%) possuíam programas ou ações para o enfrentamento da violência contra LGBT" em 2011. Vê-se que as autoridades, boa parte delas, está se lixando - ou se acovardando ante o lobby conservador-fundamentalista (como o da Bancada Evangélica no Congresso).

A revolta diante de tal cenário é natural e justa; e não menos justa é a discussão de políticas públicas ou mesmo dispositivos legais para que as próximas águas sob a ponte não sejam tão turvas (sem confundir discussão com discurso-retórico-demagogo-embromador ad infinitum).

Gato de CheshireOu toda a comunidade LGBT deve ficar quieta porque já tem direitos demais e vive no país das maravilhas? Nem Alice teve só flores, chuchu; a guria já começou aos tombos e tendo que diminuir a si mesma to fit in...



"A homofobia é como o racismo, o anti-semitismo e outras formas de intolerância na medida em que procura desumanizar um grande grupo de pessoas, negar a sua humanidade, dignidade e personalidade." (Coretta Scott King, viúva de Martin Luther King Jr, negra americana ativista e líder dos direitos civis)


Referências:

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Cotas e Tetas

Doa a quem doer, é a tendência que tem soprado nos ares das políticas públicas tupiniquins. Primeiro a polêmica das cotas raciais no Ensino Técnico e Superior. Agora a bola da vez é o quadro de servidores públicos - sonho de muita gente que enxerga aí a chance de mudar de vida e tenta a sorte em concursos, já que o mercado de trabalho é uma selva que nem paga lá aquelas coisas e no Governo os rendimentos de alguns cargos (+ estabilidade +benesses) inspiram a expressão "mamar nas tetas".

Ontem, a nossa presidente Rousseff assinou uma mensagem ao Congresso Nacional enviando projeto de lei que reserva para negros 20% das vagas em concursos públicos de órgãos do Governo Federal. Os aplausos à iniciativa, na III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), não ecoam entre as opiniões divididas dentro e fora do Congresso.

(Antes de prosseguir é importante destacar que o Brasil é signatário de tratado da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, o qual exclui essas políticas como racismo)

Será que a questão racial é mesmo um impedimento à igualdade de oportunidade (para adentrar no serviço público) ou uma miragem de quem tomou muito sol na cabeça?


No concurso ninguém olha o seu tom de pele, quiçá checando a foto do RG quando você assina a lista da sala de provas; vale a meritocracia, especialmente em se tratando de concursos para Nível Superior.

No nível médio não creio ser tão "absurda" a ideia, mas: se a justificativa é abrir oportunidade para quem não teve acesso a Educação e preparo decentes, por que não reforçar os critérios Renda e formação em escolas públicas, já que a desvantagem tem pano de fundo Social?

(Não, com essas observações não estou negando que pessoas de cor negra foram vítimas de exploração histórica -inclusive por seus pares- e são vítimas de Racismo; apenas afirmo que igualam-se na vala social em que estão mulatos, pardos e, sim, brancos também. Portanto, não estaria me contradizendo ao sugerir que medida similar na iniciativa privada poderia ser positiva: a fixação de um X% de reserva a partir de determinado nº de funcionários, assim como já é feito com "portadores de necessidades especiais" - obviamente não porque ser negro é uma deficiência, mas por semelhantes dificuldades no acesso ao mercado de trabalho)

Importante ressaltar que os aprovados, por cota ou não, passam por Estágio Probatório (que elimina quem não tem competência na prática). O argumento de que cotas piorariam a qualidade dos serviços públicos não se sustenta.

Cota por "cor" (ou "raça") é uma máscara ridícula para a péssima qualidade na Educação e condições sociais dessas pessoas. E é ótimo instrumento para engrossar as linhas divisórias que aqui e ali nos segregam...

Políticas de proteção a segmentos da sociedade vulneráveis são importantes. Porém, a melhor forma de corrigir distorções é estruturar eficaz e eficientemente a Educação (e blindar legalmente contra a perseguição por preconceito). Pela raiz.

É fato que o acesso ao Ensino Público foi ampliado, e "bolsas" disso e daquilo contribuem pra tanto, mas é um ensino que produz analfabetos funcionais.

E assim vai prosperando a t(r)eta de nossos honoráveis políticos.



Referências:

domingo, 6 de outubro de 2013

Menina Inocência



É madrugada e ainda não há sol, embora claro.

A mulher de seus trinta e poucos entoa uma canção de ninar, sentada à beira do telhado úmido da casa de pedras (que certamente moeram ossos de alguns operários até edificada).

Está de camisola apenas, tão branca e transparente quanto sua pele - ora arroxeando com o vento frio.

Não fosse a geada e o chão coberto pelo fogo branco, o velho Antenor, seu vizinho, estaria ali varrendo e assoviando. Posteriormente prestaria testemunho então...

Mas ninguém viu -ou ouviu- o som macio, ôco do impacto.

Embolada em uma manta de bichinhos indistintos, aos poucos, distingue-se na calçada uma pequena mancha vermelha, escura.

Acima, Marta ainda entoa a canção de ninar, a que sempre recorria para pacificar o sono da criança nestas primeiras semanas.

Sua filha agora dorme, conclui amparando-se abraçada aos joelhos feridos pelas orações da véspera. Pobres joelhos...

domingo, 15 de setembro de 2013

Eu sei, mas não devia

E assim arrancaram-se os dentes do sono que começara a morder na madruga...
Daí a gente vai pra cama com este "sono banguela", que ficará a chupar, amolecendo as carnes aos pouquinhos, feito a 20ª bolacha de maizena quando o céu da boca está todo machucado.
(Ou)vi dizer uma vez que ir dormir com um sorriso no rosto ajuda a ter bons sonhos. Não deixemos de sorrir antes de dormir.



"Eu sei, mas não devia" de Marina Colasanti recitado por Antônio Abujamra no Provocações:
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Uma vida, um botão

Girava o botão do punho esquerdo, duas vezes, já que tinha feito o mesmo com o direito. Acabou que arrancou... Tiro o outro?, pensou apertando os beiços. Pôs no bolso, enfim, protelando a decisão.

Estava atrasado e com a mente cansada demais para elaborar as devidas satisfações - ademais, de todo modo ela irromperia a mesma cara culpando-o pelo amargor de sua suposta TPM (diária). Interrompeu o passo: Relacionamentos podem ser cansativos às vezes... Ô, dia cheio!

Menos de três quadras da lanchonete de sempre. Esbarrou com o olhar de um estranho que, como manda o manual social, desviou para que cada qual prosseguisse seguro em sua própria solidão. Uma indiferença mal-encenada, só não mais patente que aquela que infligimos a um pedinte.

Parou novamente, aguardando o sinal. Mais alguns estranhos dividiam a calçada com pressa e quase empurrando-o aos automóveis. Animais! Sentiu um riso, talvez por seu terno barato e envelhecido, pensou envergonhado e autocensurando-se. Talvez não - era só ver dentes e lhe vinha essa impressão.

Olha para os dois lados da rua, mas resolve andar um pouco mais, fora do caminho habitual - a casa provavelmente estaria no mesmo lugar quando voltasse... Algumas ligações perdidas no celular, que prontamente desligou. Seguiu com um botão no bolso, outro por arrancar e uma ereção.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Bia

A compressa de camomila geladinha vai fechando os poros enquanto emagrece o olhar semi-morto - consciência que uma noite mal dormida revela sobre a idade. Com a visão e os cabelos desembaraçados do sono, agora sim, o dia começa.

Exceto pelo par de pantufas, Bia só abandona o quarto quando o espelho não deixa dúvida: impecável. Ela mesma acha graça no fato de parecer um personagem por usar sempre a combinação de camisa recatada, saia florida e maquiagem minuciosamente feita para não parecer maquiagem.

"Uma daquelas mulheres de comercial de margarina patriarcal", brinca fazendo beicinho. Apesar de independente (e de nem gostar de margarina), lhe agradaria um homem desse tipo "provedor", ficar em casa entretendo-se com as tarefas, com o mercado e as violetas teimosas à janela. _ Ainda troco por plástico!, aborrece-se.

Família, apenas mais um de seus sonhos imprecisos... Desde os 14 cuidando do lar e da mãe enferma, nunca tivera muito espaço para si. Na sala do minúsculo apartamento a vela que nessa semana do ano deixa religiosamente acesa arde perigosa ao lado do retrato de Dª Miriam - de quem herdou sua mania de limpeza, lembra olhando rancorosa para uma mancha no chão.

O tico de leite transborda na chaleira, única lembrança do velho, e a indecisão sobre chegar atrasada no trabalho ou limpar logo a torturará até inevitavelmente correr pro ponto de ônibus mascando umas bolachas amanhecidas. O único conforto é a sensação de adeus vinda com a sucessão de paisagens à janela - a janela que a salvará da ausência de verde de seu bairro e das caras aborrecidas no veículo. Descruza e recruza as pernas.


_ As mesmas caras..., pensa alto e logo recriminada por algum franzir de testa. A carapuça em verdade é para os infinitos clientes cuja voz abafada a sufocam diariamente no atendimento telefônico. Talvez fossem mais simpáticos se vissem como é bonita... Mas são todos iguais, assim como a voz de atendente de telemarketing...

Espia, com o mesmo olhar fúnebre de quando acordou, o nome "Fábio" no crachá. "Gente bonita é melhor tratada", resmungava repetindo para si que aquilo era temporário, como tudo.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Foi sem querer querendo

Já foi tarde
Um país governado via propaganda pseudo-ideológico-ufanista; liderado de maneira personalista por um garoto com livre acesso a petrodólares que dão asas às suas paranoias beligerantes de perseguição "imperialista";

Que com o cofre do Estado financia esmolas populistas visando manter cruelmente o povo no cabresto eleitoral e na miséria da dependência viciosa;

Onde as vozes de oposição, imprensa ou política, são demonizadas e sufocadas ante a mesma massa já surda às vozes dissonantes:
Afinal, são as vozes contra "o povo", usurpadores - "eles" contra "nós", reza a cartilha pró acefalia política (o alvo tão maleável em referendos quanto internautas desavisados que curtem/compartilham nas redes sociais sem leitura aprofundada)...

Enquanto isso cavalga o aparelhamento das instituições, dos instrumentos da sociedade organizada, o esfacelamento de entes que critiquem ou denunciem a corrupção por trás do monopólio da "verdade" do governo - este com suas castas privilegiadas e cheias de dentes para roer a Educação, o Progresso, a Riqueza e o Desenvolvimento Humano.

Tudo sob a tutela de um constante legislar em causa própria, cimentando mais e mais poder: "Legítimo" com um Legislativo de fachada que ri da distorção do conceito de Democracia (aquela, com "D" maiúsculo).

Isso não é e nunca será exemplo de caminho a ser seguido rumo ao Bem-Estar Social (que tentam implantar nas coxas, sem ter estudado a escola correspondente, talvez por isso ou por desonestidade intelectual denominando "Socialismo"). Está mais para um tipo de câncer - que tem proliferado com as genéricas características dessa doença tão devastadora.

Embora ainda assim otimista, pelo menos por aqui no Brasil, espero nunca ter que desejar que déspota de semelhante quilate morra para que ventos da mudança possam soprar... (Até porque a mudança pode ser pior que a encomenda)

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O que esperar para 2013?

Melhor: o que praticar em 2013!

É preciso Discernimento e Maturidade.
Para seguir o que parecer mais correto, ainda que sozinho e censurado;
Para deixar de lado o que não faz bem e nem contribui para o crescimento como pessoa;
Para não guardar rancor do que não estiver ao alcance dos desejos (e para ter paciência);
Para...

Coragem para ser coerente, no mínimo. (← pra pensar essa ;)
As oportunidades estão sempre aí.
Basta não se apequenar por juízos e preconceitos alheios, por preguiça e coitadismo, por arrogância, por vaidades e orgulhos tolos.

Estender a mão... Aceitar a mão amiga...
Percebi que isso não torna ninguém melhor nem mais frágil; apenas mais HUMANO.

Coisas boas acontecerão, com certeza. Todas elas dependem da gente, pois mesmo as que não resultam de nossas ações precisam da atitude de enxergá-las e dar-se o direito de contentar-se.

Pois então... "Despeço" de 2012 contente e profundamente grato a algumas pessoas importantes que eu gostaria de estralar os ossos abraçando :)

Um ótimo ano novo pra quem decidir que assim será!

sábado, 11 de agosto de 2012

O salto alto masculino está voltando?

Se lhe pedissem para descrever a primeira coisa que lhe viesse à mente ao imaginar um macho da nossa espécie equilibrando-se sobre um sapato com salto alto, provavelmente ocorreria uma dessas duas cenas:
1 - o pobre indivíduo em briga para manter-se de pé feito peão montando cavalo bravo;
2 - alguém de cabelos compridos, saia?, maquiagem e voz mais difícil de disfarçar quanto o "pacote" do sujeito (no caso de não ter feito vaginoplastia).

Estivéssemos na Roma antiga, seriam prontamente identificadas como prostitutas as mulheres ou as representantes desse "terceiro sexo" que desfilasse suas pernas sobre essas peças de tortura da moda. Quase um crachá de "profissional do séquiçu" (sic) - profissão legalizada por lá, naquela época, diga-se de passagem. Hoje em dia são estigmatizadas independente do que calcem...

Em geral, o sapato (e salto) em diversas culturas, oriental, ocidental (incluindo a romana), distinguiam as classes mais altas das demais (mais alto, mais importante). Não era mera expressão de feminilidade, mas de poder. Assim, não é de se espantar que homens usassem e ostentassem salto alto, em especial os baixinhos.

O estiloso Rei-Sol (Luiz XIV, França, séc. XVII), devido à posição que ocupava, é dos casos mais notórios da nobreza elevando os calcanhares. E justamente por remeter à nobreza, à aristocracia, decaiu definitivamente no gosto masculino com a Revolução Francesa (séc. XVIII).

Resgatado entre as mulheres, é hoje tabu entre homens. Nenhum, que não se travista de mulher, arriscaria imitar Carrie Bradshaw (personagem do seriado Sex And The City) e colecioná-los como se fossem selos pra combinar com a camisa do dia.

Porém, como o relacionamento do bicho homem com o besteirol a que chamamos Moda é tão cheio de idas e vindas quanto político corrupto, aquela peça cafona cheirando a naftalina no guarda-roupas pode voltar um dia. Naftalina é o cheiro do "novo". Será? Será que um dia desses a machaiada volta ao salto? (cá entre nós, prefiro patins ^^)

Perceba o que vem ocorrendo com os tênis de marca (e os vira-latas também), os amortecedores a mola, a ar, a qualquer coisa. Não acredito que haverão ao montes nas ruas rapazes como os do Kazaky (aquele grupo narcisista se requebrando com Madonna no videoclipe da música "Girl Gone Wild"), mas...

sábado, 26 de maio de 2012

Gravata: Boa Constrictor

tie snake

Sem cinto as calças caem, o que é bastante desagradável. Sapatos separam os pés do chão,meias separam os pés dos sapatos. E ainda diminuem o chulé, o que não é pouco. Calça, camisa, cueca ­ entendo perfeitamente bem a razão para usar essas coisas. Mas... para que diabos serve a gravata? Já me disseram que é para esconder os botões da camisa. Arrã. Então tá. Quer dizer que esse pessoal bem arrumado usa gravatas de seda de 300 reais porque morre de vergonha de exibir botões de plástico. Por 300 reais deve dar para fazer botões de rubi.

Calma, calma, elegante leitor. Não estou dizendo aqui que acho que as roupas só valem pela utilidade delas. É claro que eu entendo a importância da moda ­ embora tenha de confessar que nunca me dei muito bem com ela nem ela comigo. Roupas servem para um monte de coisas além de proteger e esconder o corpo ­ elas definem identidade, denotam estados de espírito, passam mensagens. Será que é para isso então que serve a gravata? Para passar uma mensagem?

É claro que sim, e não tenho dúvida sobre qual é a mensagem. Aquele pano pendurado no pescoço grita para quem estiver por perto: “Ei, olha aqui como eu sou importante!” É um código simples, rápido, direto, que todo mundo entende na hora: no meio da multidão, os que estão de gravata são dignos de atenção, de direitos, de mil gentilezas e mesuras. Os de gravata comandam. Os sem gravata obedecem. É assim. Não é à toa que agora tem essa moda de engravatar os seguranças particulares. rolleyes

Não é engraçado que coisas assim ainda existam em nossa sociedade? Gostamos de achar que tudo em nosso mundo ­ ocidental, urbano, secular ­ é racional, democrático.Mesmo assim, continuamos usando sinais bem pouco sutis de diferenciação social, como naquelas sociedades que gostamos de chamar de “primitivas”. É quase como se fôssemos trabalhar de cocar e contássemos com atenção as penas do sujeito ao lado para saber se ele vale mais ou menos do que nós. Bizarro, enfim.

Por favor, não me entenda mal. Não estou aqui declarando guerra às gravatas, nem aos usuários delas. Uma das utilidades das roupas, que eu não mencionei lá em cima, é deixar as pessoas confortáveis, e tem muita gente que só se sente confortável de gravata. Eu, com essa minha mania de ser do contra, já passei muitas vezes pela sensação de ser o único sem gravata num lugar. Sei o quanto isso pode ser desconfortável, mais até do que o sufocamento do colarinho. Cada um cada um, já dizia minha avó. Que use gravata quem quer.Mas será que ainda faz sentido que algumas empresas continuem exigindo que as pessoas enrolem o pescoço num trapo apertado ao acordar de manhã? Será que ainda faz sentido que nós continuemos medindo o valor das pessoas pela quantidade de penas no cocar? ("Acabo de lançar uma campanha cívica. Desengravatemos nossas vidas!", por Denis Russo Burgierman)

Faltou acrescentar o descabimento de usar determinadas vestimentas e acessórios em determinado clima... Assim como carregar sobre o nariz um par de óculos escuros em plena noite (a não ser que você seja Bono Vox diante dos refletores em algum show)

Relacionado:
Gravata surgiu para limpar suor e virou símbolo do poder masculino, por Giovana Sanchez, no G1: "O homem enrola e amarra pedaços de pano ao redor do pescoço há centenas de anos(...)"

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Tara Silvícola

Até onde é interessante aquele olhar através dos óculos escuros? Com que freqüência mesmo aquela lingerie matadora ilustra fantasias? Se tudo se acaba naquele momento em que você pega no cabelo duro moldado por gel, laquê... Naquele aroma de essência amarga no lugar do cheirinho quente do pescoço... (Ou numa conversa insossa, com menos sorte )

Nada como o cheiro natural, o gosto de boca e aquele abraço-gostoso-de-abraçar... O resto é engenharia...

O odor perfumado não é apenas misofobia [aversão ao sujo, a germes], mas um complemento ao culto ao corpo "perfeito", cabelos bonitos, roupas bonitas, atitude isso e aquilo, do melhor "produto" para consumo/desejo.

Cuidar-se, fazer uns afagos ao ego e sentir-se bem e seguro consigo mesmo é saudável, é demonstração de um pouco de amor próprio até. De novo: até que ponto?

Eu acho legal despir-se dos cosméticos um pouco, o que inclui não se encher de cremes pra ir dormir... (Rir também enruguece, e aí? ) Pôr aquela camiseta velha, chinelos, aquele short conveniente [?], ou simplesmente jogar-se nu a pele e pêlos (pêlos?), sem pudores... Afinal, tal coisa "dispensa fardamentos" (sic).

Há outras bobagens, como a que ouvi hoje:
_ A gente fala "sexo" pra algo mais casual; com quem a gente gosta a gente faz "amor", disse Fulano.
_ Aham... Tá bom que só porque gosta você vai puxar o cabelo, falar putaria, até cuspir lá e vai chamar isso de "fazer amor"..., disse o Beltrano aqui.

Maqueagens sociais que nós, bobos macaquinhos pelados, vamos inventando pra tornar o mundo civilizado mais chato...

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Intolerância religiosa

Sou ateu e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos.

A humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que parecem extraterrestres.

Dono de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.

Todos os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais.

Mãos Entrelaçadas, do PortinariJamais faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos à interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido. Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.

Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua cosmovisão, devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com crenças alheias.

Que sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?

Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada, quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta, ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?

Quantas tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?

O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome d’Ele sejam cometidas as piores atrocidades.

Os pastores milagreiros da TV, que tomam dinheiro dos pobres, são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares, porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus seriam considerados mensageiros de satanás.

Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes nos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.

O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade — quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.

Para o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo.

Fui educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou violenta.

Quanto aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.

domingo, 22 de abril de 2012

Open up your eyes...



Look at earth from other space
Everyone must find a place
Give me time and give me space
Give me real, don't give me fake

Give me strength, reserve control
Give me heart and give me soul
Give me time give us a kiss
Tell me your own politic

And open up your eyes
Open up your eyes
Open up your eyes
Open up your eyes

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Ser interessante?

Olhares, [amarelos] sorrisos, assuntos (!); escoltados por uma tensão que brota espontaneamente quando se está a conhecer quem quer que seja (aliás, uma das poucas coisas espontâneas entre humanos modernos...).

Conversa vai, conversa vem, e aos poucos as maquiagens sociais vão borrando. À vista amizades, beijos, aquele emprego novo. Ou não, caso os santos cricris definam que são da paz e "não batem" (perdão ao trocadilho).

Infelizmente, alguns macaquinhos não possuem sensibilidade suficiente pra saber distinguir os tipos de desejo que (não) despertam - ou simplesmente ignoram as entidades citadas - e chegam a indagar o óbvio. Como carência cega o amor próprio, viu...

O engraçado é que, não raro, contribui para a apatia/antipatia justamente querer conquistar o ego alheio (excluamos os puxa-sacos, que não merecem consideração ^^). Aquela falsa atenção estampada com as clássicas balançadinhas de cabeça, os sorrisos burocráticos, a pedância, o tempo frio, quente ou chuvoso... Por que, afinal, a preocupação com ser ou não "interessante"?



"Seja você mesmo", diz o imperativo desgastado e paradoxalmente pouco usado, especialmente com leveza... Soa clichê feio ler e bordão irritante ouvir, mas de início é o melhor (e é tudo o que) você pode oferecer.

Se isso não for suficientemente interessante para o outro, melhor encontrar alguém que lhe enxergue e goste do que vê: qualidades e defeitos. Alguém que, pelo simples fato de ter escolhido sua companhia, te faça querer (inspire a) ser uma pessoa melhor.

É muito pobre querer ser/parecer melhor/interessante pra chamar atenção de alguém (Além de bem cansativo; até peidar fica difícil haha)

Liberdade!

Se é pra se esforçar pra conquistar alguém, que seja para você mesmo. Sem narcisismos, poder olhar de vez em qdo pr'aquele ser no espelho e sorrir. Isso com certeza vai refletir nos diversos espelhos (da alma) que nos captam, admiram, ignoram?, julgam todos os dias, cada qual com uma imagem e conceito diferente...

Agora, se isso não for interessante pra si próprio...
Melhor enfiar a cara na novela mesmo



segunda-feira, 16 de abril de 2012

Perigoso

_ Tédio...

_ Que há?

_ Não há; sem nada pra fazer.

_ Coisas a fazer sempre há... Depende do que se quer (e da disposição em fazê-lo). O tédio existe porque deixamos...

_ Que fazes, então, Boris?

_ Conferindo meu signum, se fiz tudo certo hoje...

_ Por isso gosto de ti; vives perigosamente!

_ Não se engane, "viver é muito perigoso..."

sábado, 14 de abril de 2012

20 Minutos

O ônibus para e boa parte dos passageiros desce. Uns apressados, provavelmente pelos ditames do líquido mal-aprisionado no corpo; outros menos, ainda acomodando os olhos indecisos à luz fria e aos produtos caros da loja de conveniências (?). E há a turma da fumaça, claro.

20 minutos a parada; tempo para deixar um cadáver no banheiro.

Norma suspira nervosa. Apoia a outra nádega na poltrona e tenta retomar o sono que não dormia. O rosto, untado em suor, lembra uma armadilha para insetos. Por que, afinal, desligam o ar-condicionado?

Sombras esgueiram-se de volta a seus assentos, umas ainda baforando a fumaça da última tragada à porta. Malditos, pensa, desejando sombriamente que morram de câncer...

A movimentação desperta algumas almas cansadas da viagem. Uma ou duas cutucam seus celulares. Outras remexem sacolas e começam a moer ruidosamente seus biscoitinhos, salgadinhos...

O sujeito adiante continua com seus "inhos" afins. Comprou agora? Trouxe previamente consigo para o momento mais inconveniente? créc... crréc... crrréc.... Devagar comia, consciente do desagravo social em meio ao silêncio. Novo suspiro... Por que não come logo essa mer...?!

Alguém resolve manifestar-se, crente de que o barulho no celular levaria a mensagem em prol do silêncio, mas que no máximo propaga o sexismo presente na música brasileira de mais baixa criatividade...

Madrugada. 20 minutos passados; era tempo de deixar um cadáver no banheiro... Norma está cheia de pensamentos sombrios.